Seca, violência e resistência: o racismo nos sistemas alimentares de Mato Grosso 4c6g2m

Encontro buscou analisar as manifestações do racismo nos sistemas alimentares (produção, distribuição e consumo) e seus impactos em comunidades tradicionais

Seca, violência e resistência: o racismo nos sistemas alimentares de Mato Grosso

Iolanda Ferreira da Silva, do Quilombo Ribeirão do Mutuca, em Nossa Senhora do Livramento, narra a inédita seca do rio que corta sua comunidade, em 2024. Eleny Rosa da Silva, da comunidade quilombola do Chumbo, em Poconé, lembra que nesses casos, quando falta água, quem mais sofre são as mulheres. 

Esses são alguns dos relatos compartilhados na Roda de Conversas “Sistemas Alimentares e Antirracismo”, organizada pela CESE em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (T) e apoio do Instituto Ibirapitanga, que buscou analisar as manifestações do racismo estrutural nos sistemas de produção, distribuição e consumo de alimentos, e seus impactos diretos sobre comunidades tradicionais.

Ativistas e membros de diversas comunidades de Mato Grosso se reuniram em Cuiabá para discutir a realidade que enfrentam. Rosana Fernandes, da CESE, coordenou a atividade que foi realizada nesta quinta-feira (27), incentivando os/as participantes a refletirem sobre o contexto atual.

Em duplas, os participantes compartilharam experiências sobre o aumento da violência no campo, incluindo a violência de gênero e contra a comunidade LGBTQIAPN+. A situação é particularmente grave em Mato Grosso, que ostenta a triste estatística de ser o estado com a maior taxa de feminicídios do país, com 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Racismo nos Sistemas Alimentares 6wu6i

Essa realidade brutal é ainda mais complexa para mulheres que enfrentam múltiplas formas de opressão. Como ressaltou a jovem Maria Rita, do projeto Muxirum Jovem, de Cáceres. “São diferentes níveis de opressão, se você for mulher e for preta, se for mulher e indígena, mulher pobre, vai somando”. A fala de Maria Rita ecoa a experiência de muitas mulheres em Mato Grosso, onde o racismo, o sexismo e a desigualdade social se entrelaçam, criando um cenário de vulnerabilidade.

Além disso, foram levantadas questões como o racismo ambiental e fundiário, a culpabilização de comunidades marginalizadas pela mídia e a necessidade de “desmascarar o agronegócio”.

“Aqui o interesse é totalmente voltado ao agronegócio, não tem interesse em trazer as terras devolutas para reforma agrária. O estado prefere deixar na mão da grilagem e se negar a fazer esses processos. E cito dois casos emblemáticos que são do Vale do Juinão, em Juína, e Gleba Pelissioli, em Santa Terezinha São terras devolutas do estado, mas o governo se recusa até a fazer o estudo para que aquela terra seja destinada para reforma agrária, com famílias ocupando ali há mais de 20 anos”, disse Welligton Douglas Rodrigues da Silva, representante da T.  

Valdeir dos Santos Souza abordou a questão da reforma agrária, contestando a ideia de que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) estaria em uma situação confortável e apontando para a lentidão do governo federal na implementação de políticas públicas.

“Acreditam que estamos tendo privilégios, mas está muito difícil. Fico vendo coisas sendo anunciadas, mas não chegam nos territórios. Um exemplo é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), tem demora no pagamento. Isso se entende ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). As políticas anunciadas não atendem, não chegam”, afirmou.

Formação para a luta 5i634f

No segundo momento, os participantes se dividiram em grupos para buscar soluções para os problemas percebidos nas comunidades. A valorização dos sistemas alimentares tradicionais emergiu como um elemento essencial para a construção de sistemas mais justos e sustentáveis.

A necessidade de políticas públicas e ações afirmativas também estiveram nas discussões, com foco em garantir o o a alimentos e a participação ativa de pessoas negras nos processos de tomada de decisão. Afinal, a construção de sistemas alimentares justos e sustentáveis depende da inclusão de todas as vozes, especialmente aquelas historicamente marginalizadas.

Nesse contexto, a formação e o engajamento social se revelam como ferramentas indispensáveis. Como ressaltou Miguelina de Oliveira Campos, da comunidade de São Manuel do Pari, em Nossa Senhora do Livramento.

“Formação é muito importante. Principalmente de momentos como esse que estamos tendo. Fazer uma luta na rua, acompanhar um manifesto na rua, também é uma formação. Você vê ali quantas pessoas que fazem fala do enfrentamento para que a gente possa criar uma coragem de resistência, e vai vendo que é por aí mesmo para conseguir as nossas demandas. E estar junto na luta social”.

A fala ecoa a importância de espaços de diálogo e aprendizado coletivo, onde se compartilham experiências, se fortalecem laços e se constrói a consciência crítica necessária para a transformação social. 

O evento contou com a participação de representantes de nove grupos diversos, incluindo juventude, MST e quilombos. Os desafios discutidos também incluíram o combate às fake news e a necessidade de políticas públicas eficazes. A COP30, que será realizada em Belém no Pará, também foi apontada como um espaço importante para a continuidade desse debate.