
“Lutar por transformação/ No campo e na cidade/ É garantir bem viver/ Construir dignidade/ Para toda nossa gente/ Viver feliz e contente/ Com amor e liberdade”. O “Cordel da Incidência”, de Lucyvanda Moura, abriu caminhos de esperança e alegria para a nova edição do Curso de Incidência Política: Fortalecendo grupos urbanos, realizado entre os dias 26 e 30 de maio na sede da CESE, em Salvador (BA). Com a presença de cerca de vinte pessoas de nove organizações, a maioria delas do Nordeste, a atividade foi uma confluência de saberes, estudos e trocas para fortalecer a organização popular e a defesa de direitos.
Baseado na metodologia do Programa Virando o Jogo, o curso foi composto por uma ampla diversidade de vivências e sujeitos, como mulheres, negros e negras, jovens, moradores das periferias urbanas, pessoas LGBTQIAPN+, evangélicas e de terreiro. Vanessa Pugliese, assessora de projetos e formação da CESE, explica que a iniciativa busca promover reflexão coletiva e partilhar ferramentas de planejamento e execução de ações de incidência política para fortalecer a atuação das organizações representadas pelas lideranças presentes.

“Esperamos que o curso possa contribuir para o fortalecimento das organizações populares em suas lutas para garantia de direitos, especialmente no contexto atual de injustiça socioambiental, ameaças à permanência das comunidades em seus territórios, aumento de desigualdades de raça e gênero e de violência contra juventudes e população LGBTQIAPN+”, ressalta.
Traçando caminhos 1t6q2o
Um dos participantes do curso é Roberval Mesquita, de Recife (PE). Membro do Fórum Popular do Rio Tejipió (FORTE), organização que surge como resposta aos impactos sociais provocados pelos constantes alagamentos na capital pernambucana, Roberval destaca que o curso contribuiu para eles entenderem como traçar as melhores estratégias para pressionar o poder público a intervir no problema.
“Uma coisa muito interessante aqui, que estamos aprendendo ainda, é a forma como fazer a incidência. Às vezes a gente tem o entendimento que o poder público precisa intervir, mas a gente muitas vezes não sabe os melhores caminhos, e por isso a gente termina perdendo tempo. Às vezes até compromete a própria iniciativa por não saber chegar no lugar certo, com a linguagem certa, da maneira certa”, aponta.

Tuane Alves, da Igreja Batista do Pinheiro, de Maceió (AL), também destaca que o curso contribuiu para organizar melhor o trabalho que eles já realizam na comunidade.
“Esse curso serve muito para sintetizar todas as nossas ideias. A gente entende que já faz incidência política, mas as metodologias aplicadas pela CESE durante essa semana vão ajudar a organizar, saber o foco principal onde a gente tem que trabalhar para poder chegar aos nossos objetivos principais.”
A Igreja Batista do Pinheiro se localiza na região impactada pelo tremor de terra que, em 2018, levou ao afundamento do solo em cinco bairros de Maceió. O caso, considerado a maior tragédia socioambiental em zona urbana no mundo, é de responsabilidade da empresa Braskem, que realizou exploração mineral durante quatro décadas na região. Desde então, a área segue instável, e cerca de 60 mil pessoas já precisaram abandonar suas casas por conta do risco de desabamento.
A comunidade Batista do Pinheiro permaneceu no território e vem lutando para garantir que a memória dos bairros e pessoas afetadas não seja apagada. Diante desse cenário, Tuane percebe a necessidade de seguir o legado de quem lutou antes dela e tem o compromisso de transformar a realidade em que vive.
“Como jovem, me coloco em um lugar de muita responsabilidade, sabendo que os que vieram antes de mim também lutaram para que eu pudesse ter o espaço que eu tenho hoje – também enquanto jovem LGBT. Acho que nossa voz jovem é uma voz profética, de muita potência, que vem cheia de conhecimento e cheia de vontade de transformar as realidades atuais em realidades melhores para o nosso território e para Maceió como um todo”, salienta.
Nas ruas por voz e direitos 432s2s
O curso também contou com a experiência de mulheres que estão há décadas na luta por justiça e direitos. Dentre elas está Vinólia Andrade, coordenadora do Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa (GNMA), de São Luís (MA), organização que no dia 23 de junho completa 39 anos de existência.
O GNMA trabalha com diversas questões, como a geração de renda e formação política das mulheres nas periferias e quilombolas, e hoje tem uma atuação mais voltada para a educação, sobretudo para garantir a implantação da Lei nº 10.639/2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Após os cinco dias de formação, Vinólia salienta a importância de uma dinâmica leve e da importância das trocas de experiências para enriquecer essa iniciativa.

“Eu sempre parabenizo a CESE pelas oportunidades que nos dá, e parece que dá exatamente em cima daquilo que a gente está precisando no momento. A gente vê o trabalho coletivo, a informação que vocês nos am, da forma que vocês fazem. A dinâmica faz com que a gente possa estar à vontade, não só recebendo conteúdo, mas contribuindo também”, destaca.
O Mãe Andresa compõe hoje a coordenação executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, que está em processo de construção da Marcha das Mulheres Negras, que promete levar um milhão de mulheres nas ruas de Brasília (DF) em novembro. Com muita energia, Vinólia salienta que esse é um ano de intensa mobilização para que elas possam ter sua voz e suas pautas ouvidas.
“Nós, mulheres negras, temos nossa grande importância e a gente vai mostrar isso. Se o governo conseguiu se reeleger, nós mulheres negras, principalmente do Nordeste, tivemos uma grande contribuição em relação a isso. Então a gente precisa ser escutada.”
Quem também já sai do curso com muitos planos e empolgação é Álvaro Oliveira, coordenador de comunicação do Centro Cultural Mamulengo (CCM), que fica na periferia de Salvador (BA). O jovem aponta que o grupo, que atua com arte e educação a partir do teatro de bonecos na defesa de direitos de crianças e jovens negros do Subúrbio Ferroviário, sai do curso com planos de um possível comitê para realizar uma pesquisa sobre violência contra crianças e adolescentes no Subúrbio Ferroviário de Salvador.

“Eu acho que é mais que necessário essa incidência política dentro dos nossos territórios para que a gente consiga, para além do mapeamento, fazer a defesa e a segurança desses jovens com arte, educação, com teatro de bonecos, com cultura, com dança e fortalecer esse movimento”, defende Álvaro.
O comunicador também ressalta a importância de conhecer as outras experiências das organizações presentes no curso e que sai fortalecido e esperançoso de seguir em luta.
“É muito legal fazer parte disso porque a gente conhece outros territórios, outras iniciativas e a gente fica com o coração quentinho de entender que a gente não está sozinho. A gente sai daqui com um gás maior, com muito mais esperança de um mundo melhor, de um território melhor, mais seguro para as nossas crianças e adolescentes”, finaliza.
Sobre o curso O curso de Incidência Política integra o programa Virando o Jogo, apoiado por Misereor e ministrado pela CESE no Brasil em parceria com a Wilde Ganzen. O programa envolve 12 países com o objetivo de fortalecer organizações nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política, através de cursos online e presenciais.
