
Entre os dias 26 e 28 de março, a CESE realizou o 8º Tapiri Ecumênico e Inter-religioso, desta vez em Palmas (TO), agora associada a mais uma Missão Ecumênica, em defesa das famílias que habitam a Comunidade Quilombola Rio Preto, na zona rural de Lagoa do Tocantins. A atividade contou com apoio da Fundação Ford e parceria do Processo de Articulação e Diálogo (PAD).
O Tapiri também visitou o terreiro Ilê Axé Omo Loira Silé, no bairro de Taquaralto, num momento ecumênico, onde representantes de diversas igrejas cristãs e movimentos se reuniram com Mãe Iza.


Embora seja conhecida como a Capital da Fé, Palmas – e o Tocantins em geral – é a casa de grandes empresários do agronegócio e da aliança fundamentalista que ataca territórios tradicionais de maneira incessante. O estado “dedica” quase que a totalidade da sua extensão territorial ao MATOPIBA, evidenciando um interesse político no avanço do agronegócio sobre o estado. Um grande palco de impunidade.
Situado nos dois primeiros dias, o Tapiri reuniu movimentos sociais, igrejas, povos de terreiro, comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas, mulheres negras, jovens e população LGBTQIAPN+ para entender e traçar estratégias de enfrentamento à aliança fundamentalista religiosa, política e econômica.
Em diversas mesas, o debate girou em torno de como os fundamentalismos religiosos impactam o diálogo inter-religioso no Tocantins e como isso afeta as lutas desses povos. Além dos movimentos, as mesas também contaram com a participação de representantes da Defensoria Pública Estadual.
Tapiri e o debate sobre fundamentalismos 5r4n9
Isadora Reis da Rocha, do Coletivo Jovens Educadores Ambientais, partilhou da dor que sofreu aos 14 anos, quando se descobriu uma jovem lésbica, e foi atacada por uma pessoa próxima.

“Aquilo moldou minha mente. Mostrou que a violência é quando tentam destruir minha identidade, deixam de me ver como ser humano. Vou fazer aquela pessoa perder autoestima, autoconhecimento, individualidade, subjetividade, desacreditar da sua cultura, sexualidade, identidade. O que temos agora é resultado de luta, nada nos foi dado. Muita gente morreu, se matou, se machucou para chegarmos aqui”, relatou.
A quilombola Rita Lopes, presidente do Quilombo Rio Preto, afirmou que as pessoas chegam nas comunidades quilombolas com uma ideia pronta.

“E esperam que a gente e encaixe nessa ideia. Os quilombos são espaços que a fé chegou primeiro que a religião. Quem gosta de andar com rótulos não somos nós. Temos terreiros, mas temos católicos e evangélicos também. Meu povo sempre utilizou a religião como estratégia para resistir. Se adaptaram para não morrer”, pontuou a liderança.
O militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Antônio Marcos, falou sobre a diversidade e desafios que compõem a religiosidade dentro dos acampamentos e assentamentos.

“A discussão do movimento é contra a propriedade privada, o que os fundamentalistas defendem com unhas e dentes. Um moralismo que ataca nossa ancestralidade. Nossa cultura não cabe na moral burguesa. Assim como a expressão de vários sujeitos que nos compõem: gays, lésbicas, trans, pretos, mulheres, jovens, idosos, macumbeiros.”
E complementa. “O MST forma cidadãos que o estado excluiu de tudo. Temos o desafio de organizar o povo nas marchas, nas caminhadas, sem perder a fé. Não cairmos nessa dualidade de bem e mal, certo e errado.”
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Território que recebeu a 6ª Missão Ecumênica e o 8º Tapiri, o Quilombo Rio Preto enfrenta um conflito intenso por suas terras tradicionais no antigo loteamento Caracol desde 2023. A disputa envolve pistoleiros, fazendeiros, empresários e políticos locais, como Cristiano Rodrigues de Sousa e a empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C.

A empresa, conhecida por adquirir terras em áreas de litígio, utiliza a violência para intimidar os povos tradicionais, destruindo roçados, incendiando casas e até disparando armas de fogo nos arredores da comunidade. A violência se intensificou após uma decisão judicial favorável aos quilombolas em setembro de 2023.
Em meio aos embates, a comunidade obteve o reconhecimento da Fundação Cultural Palmares como remanescente de quilombo e o parecer favorável do Iphan para o reconhecimento do Cemitério Bom Jardim do Campo Santo como sítio arqueológico. A lápide mais antiga identificada até então remonta a 1919.
Apesar dos avanços, Rio Preto segue sendo intimidada até os dias de hoje, recebendo visitas constantes das polícias ambiental e militar do Tocantins. “Quando queremos fazer nossas roças de toco, eles ameaçam nos multar, querem nos expulsar. Mas com a empresa que tá desmatando tudo para vender, eles não fazem nada”, relata uma liderança local. A comunidade denuncia mais uma tentativa de incêndio criminoso recente.
Mesmo diante de tanta luta a Missão Ecumênica foi recebida com cantorias, uma bela roda de Lundu e mesa farta. Sônia Mota, diretora executiva da CESE, garantiu o esforço de todos ali presentes para ecoar as vozes de Rio Preto, e levar toda essa escuta para os órgãos aos quais têm o.




“Estamos aqui, de diversos lugares do Brasil, para mostrar solidariedade. A força vocês já têm. A sua luta nos inspira. A luta da gente tem que ser feita assim mesmo: com fé, coragem e com essa resistência”, afirmou a diretora.
